Médico, poeta lírico e regionalista, escritor, gaúcho de Tupanciretã, Aureliano de Figueiredo Pinto, nasceu na fazenda São Domingos, no primeiro dia de agosto do ano de 1898. Filho de Domingos José Pinto e de dona Marfisa Figueiredo Pinto. Aprendeu a ler e a escrever com a mãe e mais tarde, aos dez anos, no Colégio Santa Maria, já escrevia seus primeiros poemas. Em 1914, Aureliano com 16 anos, a revista Reação, que tinha Walter Jobim como diretor, publicou poemas seus, classificados em concurso. Aos 18 anos Aureliano mudou-se para Porto Alegre. A idéia inicial era preparar-se para o curso de Direito, mas a Medicina venceria. Nessa época, publica poemas no Correio do Povo. Mais tarde, marcará sua indignação com os excessos do governo Borges de Medeiros em Memórias do Coronel Falcão. Em 1920, viu a polícia agir no massacre de operários e, embora não revelasse política partidária, esse episódio foi marcante. Seguiu para a capital federal, Rio de Janeiro, em 1924. Foi lá que cursou os dois anos iniciais da faculdade de Medicina e escreveu o poema “O mar visto por um gaúcho‿ Volta ao Rio Grande do Sul em curta temporada, retorna ao Rio com Antero Marques, amigo, grande companheiro, prossegue nos estudos. É também com Antero Marques que participa da Revolução de 30 e, no primeiro destacamento, da Batalha de Itararé, aquela que nunca houve. Lê, conhece e passa a admirar a poesia regionalista platina; a empolgação é tanta, que escreve poemas em espanhol. Em paralelo, o modernismo se espalha também entre os intelectuais de Porto Alegre e Aureliano também se influencia. Novamente no Estado, convive com amigos numa república de estudantes na Rua da Olaria, atual Lima e Silva. É ali, na Cidade Baixa, o centro de discussões inflamadas, o mundo convulsiona-se em batalhas verbais, culturais e políticas.
Forma-se em Medicina no ano de 1931. Sua tese de graduação é dedicada aos amigos, dentre esses, Cyro Martins. A obra literária de ambos guarda grandes afinidades.
Um ano depois, Santiago do Boqueirão, na Campanha, próximo à sua cidade natal, tem um novo doutor. Ainda será convidado para a chefia da cátedra médica na Faculdade de Medicina em Porto Alegre, mas vai preferir permanecer no interior. O contato com o homem do campo se faz em visitas ao interior do município, atendendo urgências, respondendo chamados.
A prosa dos galpões servirá de chama para a sua literatura. Algumas histórias dão a dimensão de seu caráter. Elaborou uma codificação, combinada com o farmacêutico, quando antevia que dificuldades financeiras iriam impedir que o paciente cumprisse a prescrição. A conta da receita aviada era debitada a um ou outro de seus amigos, conforme um código que nelas colocava. Passa a dirigir o Posto de Saúde de Santiago, em 1937, apesar de conhecidas restrições de Aureliano à forma como vinha sendo conduzida àquela política iniciada na Revolução de 30, mas o cargo oportunizava uma melhoria do atendimento à população.
Em 1938, casa-se com Zilah Lopes; terão filhos: José Antônio, também médico, Laura Maria e Nuno Renan.
Foi fundador do Hospital de Caridade de Santiago. Em 1941, assume a subchefia da Casa Civil no governo do interventor Cordeiro de Farias, vai a Porto Alegre, onde permanece por dois anos. Retorna a Santiago. Em 1946, Flores da Cunha quer seu nome entre os candidatos à deputado estadual. Não aceita, não quer compromissos com a vida partidária.
Confessa a um amigo, em carta, ao completar 50 anos: “‿penso poder dispor de algum vagar para com as palavras. (‿ Assunto há. Falta paciência para o romaneio do trabalho. É só começar a garrotear o couro das emoções criadoras, que o apero sairá no fim das contas.‿br />
Em 1957, é um dos co-fundadores, ao lado do irmão José de Figueiredo Pinto, da Estância da Poesia Crioula.
Reúne seus poemas e planeja publicá-los num livro, por insistência da família e dos amigos. Em 1959, publica Romances de Estância e Querência, Marcas do Tempo, pela Editora Globo. Faleceu poucos dias depois da publicação, dominado pelo câncer, no dia 22 de fevereiro. Teve ainda o tempo de conhecer, pelas mãos do filho José Antônio, alguns exemplares prontos de sua obra.
Em 1963, a Editora Sulina publica Romances de Estância e Querência II e, em 1973, graças ao trabalho do editor Carlos Jorge Appel, a Editora Movimento lança Memórias do Coronel Falcão, seu único romance, um dos melhores exemplos da boa literatura sul-rio-grandense. A decadência do pampa gaúcho pós-Primeira Guerra Mundial e um elucidativo painel dos anos Borges de Medeiros é o que se lê nas Memórias, que deixam claro nas entrelinhas muito do pensamento e das vivências do autor. É Appel quem conta: “Em 1936, o autor começa a escrever Memórias do Coronel Falcão, que concluirá no ano seguinte (1937). Por que não publicou o romance em vida, se estava pronto? O texto chegou às nossas mãos através de Henry Saatkamp e Antero Marques, em 1972, apresentando alguns problemas nas folhas datilografadas, como queimaduras de cigarros, pequenas rasuras, vocábulos apagados.
A reconstrução contou com a decisiva colaboração de Antero Marques e de vários amigos do autor. O livro apresentava condições para ser editado, portanto. Se não o fez é porque tinha motivos para tanto, provavelmente de ordem política. Em 1946, publica um excerto do romance na revista Província de São Pedro no5, com o título Safra Ruim. Mas foi só.‿br />
Mais tarde ainda, Noel Guarany, autorizado pela família, musica os poemas de Aureliano. Bisneto de Farroupilha e Canto do Guri Campeiro são incomodados pela censura.
Pobre... Mas livre! Gauchito
no sol-a-sol, sou o que sou.
Pois nem dom Pedro Segundo
não pode ‿o senhor de um mundo!
dobrar o meu bisavô.
Com esta alma guapa nos tentos
debaixo do meu sombreiro,
pelo Poder e o Dinheiro
nunca ninguém me levou.
Pois nem o taura Castilhos,
famoso pelos codilhos,
pode voltear meu avô.
E ao tranco do meu Lobuno,
passam por mim carros finos,
com espertos e ladinos
que a escovação empilchou.
Sigo... Às vez‿sem nenhum cobre,
sem que a secura me dobre!
‿Se meu Velho está índio pobre,
porque a ninguém se dobrou.
Conterrianos, moços lindos,
com humildades de escola,
curvam a espinha de mola,
no culto de um ditador,
seja qualquer que ele for!
‿Com a fumaça de um bom fumo,
chapéu torto, corto o rumo,
ao tranco do meu Lobuno,
sem dar louvado a um senhor.
Deus velho dá o sol também
ao que sabe ser torena
e não suporta cadena
de feiticeiro ou papão.
Não me enredo nessas trampas!
E vou cruzando estes Pampas,
só escravo do coração...