João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes

O folclorista Paixão Côrtes, personagem decisivo da cultura gaúcha e do movimento tradicionalista no Rio Grande do Sul.

João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes é uma figura inesquecível em vários sentidos, incluindo o sentido da audição: as pausas, as ênfases, as exclamações, as suspensões, os "Bá" alongados, a entoação para acompanhar a referência a uma antiga canção, tudo isso é irrepetível na folha de papel.
Nascido a 12 de julho de 1927, em Santana do Livramento, de pai agrônomo e mãe dotada de boas qualidades musicais, Paixão Côrtes parece ter sintetizado essas duas marcas - formou-se em Agronomia também, e é artista também, não do canto mas da dança - e ao mesmo tempo parece haver ultrapassado os limites do que se poderia esperar de alguém com sua história. Por quê? Porque ele é um dos sujeitos diretamente responsáveis pelo nascimento da atual voga gauchesca.
"Um dos" é muito pouco: Paixão Côrtes é um dos dois formuladores e animadores decisivos do movimento tradicionalista gaúcho - o outro é o falecido Luiz Carlos Barbosa Lessa, a quem Paixão Côrtes se refere como "o Lessa", um sujeito quieto, com pendor literário e intelectual, de alguma maneira o oposto complementar de Paixão, mais arrebatado, mais homem de ação e iniciativa.
A estrada foi longa e cheia de percalços. Começa, talvez, na vivência campeira. Segue na experiência de peão, desempenhada todas as férias, em contraponto com a vida escolar urbana em Santana, Uruguaiana e Porto Alegre, sucessivamente. Continua, quem sabe, na dura passagem em que perde o pai e precisa trocar o colégio privado pelo público, o diurno pelo noturno, a vida relativamente inconseqüente pelo trabalho.
Deslancha, a partir de 1947, quando se junta com amigos igualmente interioranos e saudosos da vida agauchada (entre os quais Lessa) e com eles literalmente inventa uma tradição: a de fazer vigília de um fogo tirado à Pira da Pátria, que arderá dali por diante pela imaginária, afetuosa, desejada "pátria" sul-rio-grandense.
Paixão Côrtes e Barbosa Lessa partem para a pesquisa de campo, para recuperar traços de cultura popular local eventualmente sobreviventes à avalancha da cultura norte-americana, quer dizer, estadunidense, que, vitoriosa na II Guerra, cobrou um preço alto das neocolônias. Paixão e Lessa, expressando ativamente o mal-estar do momento, partiram para a ação, viajando pelo Interior para salvar o passado da intensa voragem novidadeira. Estava sendo gestado o lado cultural-popular do tradicionalismo, antes mesmo de a palavra "folclore" entrar no discurso de todo mundo.
Paixão Côrtes não se limitou a isso. Serviu de modelo para a estátua do Laçador e foi garoto-propaganda televisivo, nos primórdios do veículo, vestido à gaúcha quando isso era ainda uma esquisitice.
Organizou o 35 CTG, liderou grupos de música e dança, viajou à Europa como artista, fez e aconteceu.
Poderia estar calmamente, agora, curtindo as glórias de sua intensa vida. Mas não: parece mais ativo que nunca, insatisfeito com certos aspectos do tradicionalismo.